A maior prova da crise do jornalismo

Por ser um e viver no meio de jornalistas, ouço todo dia o (sério) papo sobre a crise do jornalismo. Cada vez há uma nova evidência: a venda recente da revista Time, o momento pelo qual passa uma grande parcela da mídia brasileira, a falta de anunciantes etc. Porém, para mim, como profissional da área e como leitor, nada disso se mostra como a maior prova do cenário complicado e complexo. Qual seria, então?

Todos os dias recebo um jornal em casa e vários outros no trabalho. O costume vem desde a infância, pois minha mãe também assinava. Lembro que quando eu era bem novo, lá pelos meus 12 anos de idade, na portaria do prédio havia um bolo de jornais todos os dias. Era preciso especificar o número do apartamento para o porteiro procurar por qual seria o seu exemplar, num processo que levava tempo suficiente para bater um papo com alguma outra criança que passasse por ali – de domingo, em especial, vários de nós, os filhos, desciam para pegar jornais para seus pais.

Passados quase 20 anos, lá pelos meus 27, a pilha minguou na portaria do novo condomínio em que morava. Mesmo assim, o endereço ainda recebia um quantidade suficiente para que se justificasse que um funcionário, pela manhã, passasse pelas casas deixando os jornais em frente à porta.

No ano passado, aos 31 anos, mudei-me novamente. Estou agora num condomínio grande, de dois prédios com umas 300 famílias. Ao chegar, avisei na portaria que assinava um jornal e algumas revistas e questionei como era a entrega. Falaram que no máximo dez pessoas recebiam jornais e um pouco mais assinava alguma revista. Espantei-me, principalmente por saber que a escolha da não-leitura nada tinha a ver com falta de dinheiro dos moradores.

Moro há um ano nesse mesmo lugar. Outro dia, o jornal parou de chegar na porta. As revistas, por falta de demanda, já passaram a ser entregues direto numa caixa de correio, onde as coleto, não mais à domicílio. Fui então à portaria para perguntar se por acaso tinham esquecido de entregar o diário. A resposta me deixou tristíssimo. Pararam de levar até os apartamentos pois agora só eu e mais um condômino assinamos algum jornal. Dentre mais de 300 famílias. Por isso, agora eu e o outro assinante descemos para pegar nossos exemplares. O porteiro faz até uma cara de desgosto quando se vê obrigado a sair da cadeira para catar um dos dois jornais que recebe e entregá-lo a um dos dois moradores.

Essa é a maior prova da crise do jornalismo: não estão mais lendo as reportagens. Há quem, evidentemente, se justifique, dizendo que verifica tudo na internet. Só que costuma bastar trocar umas palavras com essas pessoas para sacar que “ler na internet” na grande maioria das vezes representa checar posts de amigos no Facebook ou ter como notícia – e acreditar no conteúdo – qualquer coisa que é jogado no grupo da família ou dos amigos no WhatsApp.

Tanto que os antigos leitores de jornais não migraram em massa para assinaturas de sites jornalísticos. Eles simplesmente decidiram que não vale mais a pena pagar por informação e que o melhor é confiar no que se vê internet afora. Muita gente leva como verdade tudo que vê no YouTube. E, numa parcela significativa das vezes, dão um dane-se para a chance de o que se lê ou se assiste é mentira. Afinal, o povo ao redor também tá desinformado e os amigos de WhatsApp creem nas mesmas mentiras. Em outras palavras, pensam algo na linha “o Facebook já me dá assunto de bar o suficiente; por que ler jornal (em papel ou digitalizado), então?”.

Mesmo assim, acho precipitado culpar o leitor. Por quê? A maioria sempre preferiu ser ignorante – no sentido literal da palavra; se não sabe, abra um dicionário ou dê um Google. Mesmo esse sendo o maior de todos os males, como defendiam os filósofos da Grécia Antiga, é mais fácil alcançar a felicidade (mesmo que ilusória) dessa forma.

Mas também sempre houve aquela minoria que quer se informar. Esses leitores, por tradição, se encontram principalmente na faixa do prime da idade, entre seus 30 e 50 anos. Ainda existem pessoas dessa idade que, com certeza, querem se informar como forma de tentar fazer algo de melhor para o mundo ao redor.

Assim como o mercado literário tem provado que há outro público em potencial: o dos jovens adultos. Esses têm consumido livros. Em alguns países, como nos Estados Unidos e no Canadá, surgiram novos tipos de mídias jornalísticas que conseguiram alcançar os lá chamados de young adults.

No Brasil, contudo, parece que nós, jornalistas, perdemos um público que envelheceu conosco e hoje tem mais preguiça de se informar. Deixamos de conquistar os de seus 30 a 50 anos, como também os jovens adultos. O povo agora parece mais preocupado em dedicar o próprio tempo a outra coisa, como jogar algum game novo no celular. O que, a meu ver, levou a minguarem os jornais e as revistas nas portarias de prédios – mais por isso do que pelo crescimento da internet, o aparecimento de iPhones e afins. Mas como se chegou a isso?

No país sempre fomos dependentes de visionários da mídia. Brasileiros adoram a figura do grande líder, na política, na cultura ou no empreendedorismo. Com jornalistas, não há diferença. Enquanto nos EUA a mídia costuma estar na bolsa de valores, não por acaso aqui é guiada por umas poucas figuras de referências. Nos últimos anos, os profissionais esperaram por alguém que mudasse todo o jogo com uma ideia brilhante, em vez de sentirem os ares de transformação e agirem de acordo, juntos.

O problema é que se foram a maior parcela dos grandes visionários da mídia brasileira, mortos, em diversas situações, na última década – incluindo dois que admiro desde muito jovem e que estão entre aqueles que me inspiraram a ingressar nessa profissão que amo e na qual acredito. Mais que isso, por mais que fossem empreendedores exemplares que realmente transformaram como se consome informações no Brasil, ocorre que muitas de suas visões não se atualizaram. Pararam num passado glorioso que talvez nunca volte. Em outras palavras, se continuarmos nessa lógica, seria preciso que nascessem novos visionários para nos adequar aos novos tempos. Mas e se não surgirem esses grandes líderes?

Essa situação pode ser a explicação (melhor, parte dela) para o jornalismo não ter conseguido chegar num público que provavelmente gostaria de lê-lo. É deveras tímida a presença de mídia de qualidade no YouTube, no Instagram e em outras plataformas modernas. Quando estão lá, parece que há dificuldade não só em adequar a linguagem como também em compreender como se pode ganhar (muito) dinheiro nesses espaços.

Há uma crise no jornalismo? Sim. Porém, não por falta de leitores. Ao que se parece, a maior dificuldade está é em saber como chegar até esses leitores.

O efeito drástico desse cenário pode ser o de uma cada vez menor diversidade no jornalismo brasileiro, que nunca foi lá muito diverso. Em efeito contínuo, a construção de um povo cada vez mais oblíquo, de conhecimento calcado em fake news, memes e posts de Facebook. Isso tudo, em muito, pela dificuldade do jornalismo em chegar aos leitores que querem se informar.

Num mundo onde a população será bombardeada por tanta informação digital, difusa e não editada, o grande medo é se chegar num ponto onde a proliferação da desinformação construirá um país também cada vez mais oblíquo, obscuro e facilmente manipulável. Nerd que sou, já me veem à cabeça uma série de caminhos tortuosos que culminariam numa distopia. Não uma no estilo orwelliano, à la Big Brother. Mas uma ainda mais perigosa, na linha de Admirável Mundo Novo, de Huxley. A na qual, como bem definiu o crítico cultural Neil Postman, a verdade, em vez de ser oculta, seria simplesmente “afogada num mar de irrelevância”. Ou seja, em meio a vídeos de YouTube, séries de Netflix, nudes no WhatsApp, selfies no espelho do banheiro no Instagram.

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