Outro dia encontrei um amigo de infância, Emiliano, músico que mora na Áustria e que voa cada vez mais alto, já com 3 bandas por lá (como essa e essa), se não me falha a conta. Ele saía de um show e papeamos. Lembramos de como éramos nerds no ginásio.
Ao voltar para casa, rememorei minha infância. Até uns 13 ou 14 anos de idade, sofria bullying. Emiliano também era alvo. Bem, naquela época nem se falava de bullying, mas de algo como “zoeira”.
Recordo, por exemplo, de quando eu estava na quinta série e uns metidos a valentões da oitava (veja só, esses valentões em grupo e três anos mais velhos que uma criança “quatro olhos” e que nem sabia direito seu lugar no mundo) me colocaram dentro de um lixo. Ou de uma menina, específica, que nem nomeio para não lhe dar algum ar de reconhecimento, que me enchia todo recreio sobre qualquer coisa – meu bigode que crescia precocemente; bochechas avermelhadas; sei lá quais outros motivos (no pior teor Meninas Malvadas).
Havia também aqueles menininhos metidos com cabelo cheio de gel e topete bem para cima que me adoravam dar uma penca de apelidos pejorativos. Um, certa vez, me encheu a paciência (mas chamando de “viadinho” e tal) até porque eu ainda digitava devagar no computador (aos, sei lá, 12 anos de idade, no máximo). Esse um era o mesmo que tirava notas 4, quiçá 6, nas provas, enquanto eu saía de 8, 9, 10. Por algum motivo, ele tinha o hábito de ir para a escola com camisetas de times de futebol, dando preferência à camisa da seleção brasileira.
Lógico que também me xingavam pelos meus gostos. Por eu jogar RPG. Por gostar das cartas de Magic. Por adorar HQs. Por ler muito. Etc. e tal.
Tentava me desvencilhar. Não provocava. Até que comecei a tomar coragem e argumentar. Valentões odeiam argumentos. Então, continuou a zoeira, só que aí, por vezes, culminava em pequenas agressões físicas, como tapas, enforcamentos, chutes, arranhões, rasteiras. Todo dia era uma novidade.
Isso até eu revidar. Lá pela oitava série, depois entrando no primeiro colegial. Eu era nerd, mas adorava exercícios. Nadava, jogava vôlei, praticava lutas. Com 14 anos, era faixa roxa de kung-fu. Meu mestre (o incrível Sifu Serra) ensinava que não se podia agredir os outros. Ele pregava a paz. Mas, num dia em que falei a ele sobre os valentões, indicou: converse com eles, mantenha a calma, mas não deixe que toquem em você.
Segui à risca. Passei a revidar quando optavam por serem violentos. Aprendi aí que eu realmente era treinado naquilo – ganhei um campeonatinho aqui, outro ali. Não demorou um bimestre para os valentões sumirem da minha vida. E não só da minha.
Naquela época, ao menos, valentões eram populares no colégio. Bem mais que nerds, é claro.
No meu carro, após o encontro com o amigo Emiliano, agora ambos com trinta e poucos anos, surgiram os pensamentos nostálgicos. Com eles, também um questionamento: por onde será que anda aquele povo chato?
Pesquisei uns nomes. Mesmo com Google, Facebook, Instagram, não foi fácil achar muitos deles. Tornaram-se bem irrelevantes, na grandíssima maioria dos casos. Profissionais sem expressão, nada de útil feito que mereça, sei lá, ser levemente mencionado no Google.
Aí resolvi buscar pelos meus antigos amigos nerds em Google, Facebook, Instagram e afins. “Emiliano Sampaio” (no entre aspas, para não aparecerem outros) aparece em 7 400 resultados no Google (meu amigo, só um pouco à minha frente, com 6 940… 🙂 ) . Outro dos nomes nerds de minha infância está em perto de 1 000 resultados. Tem ainda um que criou um movimento ativista, outro que se tornou pós-doutorado (formado em universidades europeias) em sociologia. Achei facilmente todos no Google.
Ao menos dentro de meu mundo particular, valentões sumiram. Nerds reagiram e ainda os obscureceram. Valentões, pelo o que vi do currículo de alguns, também não parecem lidar muito bem com essa coisa de ser adulto. Já os nerds, estavam todos em carreiras promissoras, com muitas conquistas, levando a vida adulta no nível very hard.
Acredito que o mesmo se repete em aspecto mais amplos. Valentões que chamam de “bichinha”, os racistas, os que xingam mulheres de “vadia”, que adoram agredir os outros quando estão em grupo (e quando o agredido é mais fraco e não sabe kung-fu)… esses daí acabam por sumir e, entre os seus, ficam na memória apenas como derrotados. Do outro lado, os nerds, os intelectuais, os músicos, os alvos da zoeira na infância, esses sempre apanham (e muito). São xingados e agredidos. No fim, contudo, dão risada e custam a lembrar até do nome daqueles que os reprimiram por tanto tempo.
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