Felipe Neto e outros youtubers são má influência pros seus filhos?

– Vi o perfil do Felipe Neto.

– É mesmo? Você leu o que escrevi na revista?

– Não. Vi os vídeos no site. É. Meu filho adora ele, o Felipe. Mas ele podia falar menos palavrão, né? Assim não dá. Meu filho não para de falar palavrão.

– Você vê os vídeos com seu filho? Sabe, faz um bom tempo que o Felipe Neto não fala palavrão. Desde que começou a fazer conteúdo pra crianças.

– Não vejo os vídeos. Vi uma vez. Uma parte. Achei chato. Não entendo como as crianças gostam disso. Só que já disse pro meu filho que não é mais pra ver em casa.

– Sei.

– Não gosto desses youtubers aí, não. Eles são má influência. Não são coisa de Deus.

– Sei.

– Mas, olha, quando você vai trazer o Felipe aqui pro estúdio?

– Por quê?

– Aí trago meu filho pra pedir autógrafo, né? Ele adora o Felipe.

– Mas não tinha dito que havia proibido teu filho de assistir?

– Só em casa. Aliás, será que não conseguiria uns ingressos pro show daquele irmão dele?

O diálogo se deu há uns meses. Foi entre mim e uma maquiadora que me aprontava para uma entrevista em vídeo com outra youtuber, a Bibi Tatto. A maquiadora não conhecia a Bibi. Mesmo assim, pediu autógrafo a ela. Quem sabe o filho sabia quem era e se interessaria. Né?

A conversa retrata uma típica situação pela qual passei muitas vezes quando o assunto “youtubers” foi jogado à mesa (raramente por mim, ao menos de início). Já que escrevi muito do tema, alguns pais, próximos ou não à minha pessoa, gostam de me questionar sobre isso. Melhor, a maioria não aparece com perguntas. Mas com afirmações do tipo “esses youtubers só fazem mal pros jovens”.

A grande maioria, no entanto, não assiste aos vídeos desses youtubers. Sem hesitar, porém, os responsabilizam por comportamentos de seus filhos que julgam como maléficos. Como os que indicam consumismo excessivo (“mãe, quero aquilo, aquele outro”), o “falar palavrões”, o isolamento no quarto, o vício em celulares, bullying (sofrido ou cometido), ou até por sinais de depressão.

Virou moda jogar a culpa no YouTube sempre que o filho faz alguma besteira. Os youtubers são como os desenhos animados e os VJs de minha época. Lembro que sempre que soltava qualquer palavrão, minha avó já dizia “porra, aposto que ele viu naquele desenho da MTV” (eu era fã de Beavis and Butt-Head‎ e Æon Flux‎, por exemplo; mas nem meus pais, nem minha avó, assistiam comigo). O engraçado é que ela costumava reclamar sempre com pontuações de “porra”, “merda” e outros palavrões, no meio das frases. Será que eu aprendia a falar assim com os desenhos ou com ela?

Assisti ontem a um dos últimos vídeos de teor mais, falemos assim, sério de Felipe Neto. Em “FELIPE NETO VAI DESTRUIR SUA FAMÍLIA”, o youtuber versa sobre fake news, de como inventam fofocas contra ele, da união de esquerdistas radicais e de bolsonaristas quando o assunto é culpar figuras como ele por hábitos ruins de crianças. Chegam a chamá-lo de anticristo; e não duvido que alguns tenham convicção em tal associação (os cabelos coloridos podem ajudar no espanto desses “cristãos” preocupados).

Perceba um ponto central. Enquanto Felipe debate com seu público jovem temas como mentiras disseminadas no Twitter, liberdade de expressão, bullying, ou mesmo paternidade… pais que nunca o assistiram o culpam por incentivar crianças a se entupir de guloseimas, a serem bocas sujas, a agredirem coleguinhas, ou seja, por qualquer atitude, digamos assim, não “de bem”. Noutro vídeo, por exemplo, ele conversou com a plateia acerca de depressão e suicídio. Isso enquanto adultos desconectados desse universo youtuber o culpam até mesmo pela depressão dos filhos.

Certa vez, numa conversa comigo, Felipe afirmou sobre essa problemática: “Os pais não ensinam seus filhos. Não acompanham o que eles fazem. Aí dá merda e partem para o caminho fácil. Em vez de se aproximarem de seus filhos, culpam um youtuber qualquer por tudo e se julgam como corretíssimos em suas atitudes. Pense bem. Quem pode influenciar mais uma criança, uma mãe ou eu?”.

A resposta óbvia seria: a mãe. Na prática, no entanto, tem sido ele, um youtuber, em muitos, muitos, casos.

Isso porque o comum hoje é dar um tablet para uma criança como se fosse a substituição da chupeta. Com 4 anos de idade, alguns bebês já têm iPhone e iPad próprio. Se o filho começa a reclamar, o que faz o pai? Enfia a tela na frente dos olhinhos com algum desenhinho ou joguinho no play. Ou coloca no YouTube.

Enquanto isso, do que se ocupam os pais? Eles mesmos estão em seus celulares. Talvez checando e-mails, trocando mensagens em grupos de WhatsApp, levando 30 minutos para escolher um filtro para uma fotinha pro Insta, tuitando contra Bolsonaro, contra Lula, contra o que for, quiçá analisando quantos passos se deu no dia num app qualquer de fitness. Olhos compenetrados nas black mirrors ao redor.

Enquanto se ocupam com o grupo da família no Zap, o filho fica à própria sorte como navegante da internet. Hoje em dia, especialmente no YouTube. Aí, se não identificam nos próprios pais – distantes em seus celulares – os amigos e as referências que procuram, onde acham? Em Felipe Neto e seus colegas. É aí que o youtuber vira o melhor amigo do filho.

A maior prova da lógica é a seguinte. Caso os pais fossem próximos para valer de seus filhotes, não se preocupariam – ou ao menos da forma como se preocupam – com o que dizem os youtubers. Por quê? Pois aí poderiam agir para filtrar o que julgam como incorreto e assim educar eles mesmos seus bebês de 1 a 20 anos de idade.

Como isso não tem ocorrido, restam aos jovens terem como referência (por vezes, única) seus ídolos da internet. Com eles se empenham para formar seus valores morais, éticos e políticos. Por eles, pintam seus cabelos e transformam suas mentes.

6 comentários em “Felipe Neto e outros youtubers são má influência pros seus filhos?

    1. Aí é só não assistir, mesmo. Acho tanta coisa chata. Tipo aqueles reality shows de qualquer coisa, de caras que pegam crocodilos a maquiadores de todos os tipos. Minha solução foi infalível pra me livrar desse tipo de chatice: vi, achei chato, e nunca mais quis assistir.
      O perigoso é quando se critica algo sem nunca ter visto, experimentado, lido etc. esse algo. Aí se trata tão-somente de ignorância, obscurantismo, obtusidade…

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  1. Meu sobrinho de 2 anos e meio viciou naquelas animações do BinBin. Eu tinha visto o vídeo sobre ‘vício em celular’ que saiu no canal da veja, eu chamei a galera aqui de casa e coloquei pra todo mundo vê o perigo, inclusive minha mãe (vó viciada em facebook) que fez que sim com a cabeça e logo esqueceu o assunto. Outro dia meu sobrinho estava aos berros implorando por BinBin, mas era um choro muito forte, estridente, que o deixou todo vermelho, quase passando mal. Eu fiquei muito preocupado e cortei os vídeos a partir de então. Enquanto ele estiver comigo não terá nem sombra de BinBin, nem bambam. Quando ele pede eu pego outro carrinho e ficamos brincando no chão. Eu quero ser o influenciador desse menino!

    Um abraço Filipe!

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    1. Fico sempre feliz com pais, tios, familiares, amigos íntimos que se dispõem a batalharem para serem os maiores influenciadores de seus filhos 🙂 Isso não deveria ser obrigação de celebridades, de quais tipos forem

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