O sutiã de Olavo de Carvalho. Ou: o filósofo da era do WhatsApp

Há onze anos um grupo de missionários me abordou na porta do Hospital Heliópolis, localizado no meio da favela de mesmo nome em São Paulo (eu frequentava o local praticamente todas as semanas para escrever o livro-reportagem deste link). Depois de pregarem, dizerem que eu estaria condenado ao inferno se não rezasse com eles numa igreja próxima, e essas coisas de praxe, sugeriram a mim uma leitura: a Folha Universal. É o jornal da Igreja Universal do Reino de Deus; aquele mesmo diário que afirmou que a Xuxa teria vendido sua alma ao diabo. Espantou-me a tiragem estampada na primeira página: acima de 2 milhões de exemplares. Ou seja, mais do que todos os jornais tradicionais do país.

Recordei da história quando li a entrevista do autointitulado filósofo Olavo de Carvalho no Estadão. Lá, assim como depois disse à Folha de S. Paulo, o escritor radicado nos Estados Unidos – e talvez por isso tão tendencioso a análises sobre o Brasil que parecem as de uma tia sulista americana que aparenta nunca ter circulado pelas ruas de São Paulo ou Salvador – fez questão de afirmar e se repetir: “Todas as pesquisas demonstram que 70% a 80% dos brasileiros são cristãos conservadores. Em um país de maioria cristã conservadora você não tem um partido cristão conservador? Um jornal cristão conservador? Uma universidade cristã conservadora? Uma estação de TV? Uma estação de rádio? Nada. A maioria do país está excluída de representação política e os caras consideram que isso é a perfeição da democracia”.

A constatação de Olavo evidencia bem como ele solta frases de efeito ao léu, sabendo bem que seu público fiel é mesmo desinformado, inculto, amante de notícias fabricadas (as fake news), adoradores de boatos de WhatsApp, e por isso nem vão questionar se o que vomita é verdadeiro ou não. No caso, Olavo parece ter se esquecido da Folha Universal como “jornal cristão conservador”. Assim como não deve ter se recordado da Record, do R7, das tantas rádios gospel – já concedi até entrevista para uma, de audiência maior do que a maioria das estações pop – e da bancada da Bíblia da Câmara. Não sei se foi uma falha de memória do senhor de 71 anos ou se correspondeu a um daqueles lapsos propositais.

Há realmente falta de variedade na mídia brasileira. Assim como dentre o empresariado do país. Ou na Câmara. Ou nas artes. Seria lindo se não fosse possível contar nos dedos das mãos o número de veículos de imprensa, de quais opiniões forem, com centenas de milhares de leitores. Mas esse problema tem muito mais a ver com um controle econômico e com a falta de interesse de brasileiros em ler e se informar – em muito refletida no furor dos e das olavetes –, do que com as ideias conspiratórias de Olavo de Carvalho (que, aliás, crê que Barack Obama forjou sua cidadania para se tornar presidente dos EUA, em uma manobra que só ele, e outros delirantes ao seu entorno, parecem ter sacado).

Olavo é daqueles que sozinho se acha o mais inteligente do mundo. A verdade está com ele e mais ninguém. Pela escola platônica, jamais poderia ser considerado um filósofo. Nem é capaz de se olhar no espelho e admitir a própria ignorância. O que seria o princípio da reflexão.

Por isso, não necessita de provas para o que fala. Basta vociferar uns palavrões, jogar umas frases de efeito que dão bons tuítes, e se dizer acima de qualquer intelectual… e pronto. Vira gênio de si mesmo. De si mesmo e do secto de olavetes, que o seguem sem critério, alimentados pelos dizeres hilários que caberiam bem como textões no Facebook. Identificam-se nele pelo machismo, pelos xingamentos, por verem nele a permissão de poderem achar o que quiserem sobre o que quiserem sem ter antes de se informar, ler, estudar – afinal, o próprio guru zarpou da escola aos 15 anos de idade e se consagrou desde então, inclusive financeiramente, tão-somente disseminando insultos ao vento.

Os e as olavetes se mostram como indivíduos que facilmente se admiram. Ficam boquiabertos com Olavo por se impressionarem com as palavras em italiano, grego, espanhol e inglês que ele solta em meio aos textos de seus livros. Pelo guru, a quem bem caberia Sri Prem antes do nome, ter invejável habilidade de listar nomes e nomes em suas obras, sem explicá-los, como quem só quer parecer culto. Assim títulos como “O imbecil coletivo” e “O mínimo que você precisa saber para não ser um idiota” se transformam em compilações de frases de efeito com grandes nomes no meio do bolo, passando por Victor Hugo, Rike, Yeats, Gödel, Blake… de uns ele gosta, de outros não.

O guru do WhatsApp ama afirmar que quem o critica não o leu. Pois encarei o trabalho de lê-lo. Apelando ao linguajar do estilo de Olavo, não sem sentir ânsia de vômito em dados momentos, soltar risadas de vergonha alheia em outros e ter muita pena (pra não dizer asco) dos e das olavetes que parecem aceitar qualquer coisa que ele diz – pois assim não precisam ler qualquer outra coisa para tentarem compor um leque de referências maior. Olavo é o filósofo ideal pros que têm preguiça de ler qualquer coisa além de suas obras.

Os textos de Olavo carecem de teorias próprias. Ele esconde a falta de teses em meio às tais palavras em italiano e grego e a um vocábulo que se esforça em ser “difícil”, mas que não engana ninguém que saiba antecipadamente o significado das palavras às quais recorre como se andasse com um dicionário cult de ultradireita debaixo do sovaco (ou como se recorresse insistentemente à ferramenta de sinônimos do Word; feito o Joey de Friends). Forçando muito a barra, vislumbra-se algum resquício de pensamento próprio apenas quando apresenta seu conceito de “Revolução Francesa – na ‘República das Letras’”, em ideia que se repete, em outras roupagens, ao longo de seus textos. Pois é algo como a única faísca própria que tem para repetir por aí.

Olavo engana muito bem em seus livros. Quem nunca leu “A Origem das Espécies” pode ser levado a crer que Darwin realmente não se preocupava com “O que podemos vir a ser”, só porque Olavo crê assim. Já quem mergulhou na obra de Darwin sabe bem o quanto há lá a preocupação, sim, de saber “o que somos” e o tal “o que podemos vir a ser”, além do “o que fomos”. E será que Olavo leu “A Origem das Espécies”? Se sim, certamente não passaria num teste primário de conhecimento acerca do clássico.

Mas o que chama a atenção dos e das olavetes? Perguntei-me durante toda a leitura de dois livros do autoproclamado filósofo, pensador de “outro nível” e “bom conselheiro” para Bolsonaro – o que é mesmo, visto que ambos se parecem muito em ambições, limitações e loucuras.

O maior talento de Olavo é ter preconizado a era do WhatsApp e de Twitter. Seus dois primeiros livros a terem alguma repercussão que valha menção datam de meados dos anos 1990. Já naquela década Olavo foi pioneiro ao escrever como se tuitasse. Suas frases vazias, temperadas pelo palavreado em inglês e por vocabulário inspirado numa enciclopédia qualquer de dois séculos atrás, contam com o inegável mérito do efeito. São frases de efeito que em poucos caracteres fazem rir, odiar e gritar, tudo ao mesmo tempo. Nos anos 1990 ele antecipava o que seriam as redes sociais.

Por isso seus trabalhos eram praticamente desprezados naqueles tempos. Nos últimos anos, contudo, ganharam força na toada em que o povo obtuso amante das fake news e dos nudes se proliferou, se encourou em grupos virtuais e, assim, ganhou força em torno da própria estupidez. A galera de Facebook, os filósofos de YouTube, os pensadores de Twitter aí acharam em Olavo o guru que tanto procuraram. Olavo de Carvalho é o pioneiro filósofo de zapzap.

Inusitado notar que as frases de efeito, por mais vazias que sejam, de seus livros servem para descrever qualquer coisa que se odeie. Por exemplo, se você não gosta de Olavo de Carvalho pode se apoiar em seus dizeres para criticá-lo. Caberiam bem, por exemplo, para descrevê-lo – ou os e as olavetes:

“Há o rancor de certa intelectualidade contra tudo o que esteja para além do seu estreito horizonte espiritual”

“Está sempre em busca de um farol profético” (como serve para caracterizar olavetes)

“O sucesso atua como o sinal encorajador de que um imbecil precisa para se tornar um imbecil arrogante”

Assim Olavo filosofa como um bom astrólogo. Seus pensamentos fluem sem necessitar de evidências, de experiências, de estudo. Pois se sustentam da mesma maneira que os horóscopos de jornais. Um tipo de linguagem à qual Olavo é adepto há tempo. E combina muito; quem acredita em astrologia tende a crer em olavetes, duendes e sacis (melhor, sacis, não; afinal, dentre olavetes, bate-se continência ao Mickey, mas não a sacis!).

Logo no início de uma de suas obras, Olavo diz que alguns teriam dito a ele para ficar quieto diante do tal “imbecil coletivo”. Ele não se aguentou e começou a berrar no YouTube. Eu também sempre tentei me conter diante do youtuber Olavo. Via-o como aquele tio desinformado que fica espalhando memes e fake news no Facebook Messenger. Para esses, a única solução é colocar o Messenger no mudo.

Mas aí Olavo começou a aparecer na revista que leio, no jornal que leio, nas conversas de botecos que frequento etc. O ruído promovido pelo imbecil individual metido a estadunidense de Virgínia tomou proporções coletivas. Encheu o saco.

Achava, então, que ele ao menos era instruído, lido, culto pra valer. Que suas falhas seriam morais, não intelectuais. Optei por ler seus livros para ver de quem estava falando. Foi surpresa, admito, notar a superficialidade de seus textos, escondida por trás de tanto verniz forçado.

Olavo é o filósofo ideal para o burburinho da internet. Logo mais terá algum meme com frase dele atribuída a Clarice ou Drummond. Assim como já deve ter algum viral com arte de Clarice ou Drummond, mas atribuído a Olavo.

O filósofo do zapzap outro dia mandou um colunista usar sutiã. Provou assim, e mais uma vez, que realmente não há intelectual do nível dele, como ele próprio gosta de vangloriar. Realmente é difícil encontrar um intelectual de tão baixo nível.

Todavia, em seu baixo nível Olavo encontrou bolsonaristas e seus e suas olavetes. Um público imenso. Fez sucesso. Provando assim que o sutiã que apoiam as tetas de Olavo é composto por um tecido de idiotas.

*** Em tempo

Logo no início de um de seus livros, Olavo antecipa que alguns iriam apelar à psicanálise para criticá-lo. E que seria bobagem.

Pode ser bobagem. Mas acho no mínimo curioso notar como um jornalista excretado pelos seus, metido a intelectual excluído pelos intelectuais, ex-comunista desprezado pelos comunistas, astrólogo desconhecido, virou o ser que virou.

Um ser que odeia tudo e todos aqueles que representam o que um dia ele quis ser. Um grande macho que xinga a todos os que discordam dele com um rifle na mão, isolado no campo estadunidense e via YouTube. Mas que duvido que, mesmo no auge de sua juventude (volte aí uns 40 anos), encararia um ringue de verdade, sem fuzis. Seja esse um ringue de boxe ou de troca de ideias.

24 comentários em “O sutiã de Olavo de Carvalho. Ou: o filósofo da era do WhatsApp

    1. É bem capaz que nem este dois (ou um apenas) por inteiro. Se tivesse lido (e entendido) metade do Jardim das Aflições, não teria escrito tanta asneira… Talvez seja inveja mesmo… 3 comentários num texto… Até a interpretação astrológica de um peido do Olavo teria mais comentários.

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  1. o que vejo é que a mídia e toda sua matilha de ovelhas orwellianas (como VOCÊ por exemplo) estão se cagando de medo com o afastamento maciço dos seus seguidores e telespectadores, e ao invés de tomarem novos rumos vocês cavam mais sua própria cova tentando a todo custo remendar este fato com mais mentiras e mais ataques gratuitos, o que só serve pra expor ainda mais a sujeira e inutilidade que vocês representam. A internet é um mecanismo que vai continuar sem regulamentações e assim continuará mostrando a VERDADE e NÃO o que criaturas repugnantes como vcs querem que seja, as pessoas estão acordando cada vez mais enquanto a midia continua paralisada e decaindo, se contorcendo em desespero e tentando conservar sua ideologia decadênte a todo custo, E quanto a você, reporterzinho fraco e decadente, continua ai insistindo em propagar seu sonhado mundinho dos unicórnios, vai “tentando” a todo custo denegrir filósofos e pensadores importantes com seus argumentos fúteis e inúteis que só servem pra expor a ferida aberta que vc é, seu envenenamento mental falhou e se tornou INÚTIL, e isso é irreversível, criaturas como você estão fadadas ao isolamento daqui pra frente, no mais lhe desejo chutes na bunda e um mar de lodo.

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  2. quando a igreja universal representou o pensamento conservador? vai estudar seu falador safado de bosta!!! bispo macedo é um escroto, somente um negociante inserido em um negocio voltado a enganar ignorantes e sofredores, ele age da mesma forma que o PT ou partidos de esquerda que vc tanto admira, inclusive vc deve omitir que o bispo macedo doou 10 milhões na campanha da sua presidenta dilma.

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  3. Caramba, seus textos são daqueles que comprovam os livros do Olavo, como o imbecil coletivo por ex… O mais legal é isso no Olavo. Basta ler seus inimigos que as coisas se comprovam. Parabéns continue assim.

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