João de Deus, Prem Baba, Osho, Bolsomito, Lula e o problema com os gurus (e com a ioga) – um desabafo

Cena 1 – Prem Baba

Tenho um grande amigo que era fã de Siri Prem Baba. Como somos próximos desde a adolescência, ele sentia a liberdade de tentar me convencer a seguir o guru autonomeado de iluminado, mesmo já sabendo de minha tendência ao asco a tais figuras. Uma das táticas de meu amigo era enviar (via WhatsApp) discursos de seu mestre espiritual. Do meu lado, cabia dar risadas das falas e da reação hipnotizada dos seguidores.

Numa festa, num belo dia, estava eu, esse amigo e a namorada dele, um amor de pessoa, conversando. Veja bem, ambos, o amigo e a namorada, instruídos, inteligentes, adoráveis – ele, médico, dentre aqueles no topo da profissão. Papo vai, papo vem, como era de costume, caímos na conversa sobre Prem Baba.

– Você tem de ir pra Alto Paraíso com a gente. Sua cabeça vai mudar – tentavam me convencer.

– Muda nada, amigo. O cara é só um ilusionista. Engana a galera como qualquer outro. Não consigo confiar em ninguém que se diz iluminado. Confio em líderes, não em gurus. Gente que fala que é celibatário, que não erra, que tá chegando no nirvana sem gozo ou drogas… não confio nisso, não – falei algo assim, talvez num tom um pouco mais incisivo e com uns palavrões no meio, visto que na festa já estávamos todos naquele momento de “alterados”.

– Você fala assim porque não encontrou seu eu interior. Ao se elevar espiritualmente, sentirá a paz e o equilíbrio. Precisa se libertar de tudo isso – foi algo assim o retruque.

– Encontrei o eu interior, sim. Ele é bem zoado e cheio de problemas. Não dá pra se elevar não. Olha, só confio em gente que assume o próprio lado obscuro. Guru não dá.

A pregação continuou em palavras das quais não lembro direito, e que nem conseguiria reproduzir aqui, pela minha falta de talento para discursar como guia espiritual. Contudo, recordo bem quando interrompi a coisa, dizendo:

– Amigo, não adianta pregar pra mim. Não serei cordeirinho disso. Ainda mais indo atrás de mestre que pede pra pagar caro paca pra um bando de hipster ouvi-lo em um lugar descoladinho em Goiás. Difícil levar a sério guru que monta escolinha espiritual em bairro nobre de São Paulo. Como chama mesmo aquela escola…

Awaken Love. Bem bom lá.

– Tá aí. Como vou confiar em guru brasileiro que abre escolinha com nome em inglês pra atrair a galera do shopping Cidade Jardim. Aí não dá.

Recordo que a namorada de meu amigo, uma pessoa incrível e que realmente passa uma ótima vibe, interrompeu dizendo:

– Filipe, você não engana ninguém. Isso é só fase. Dentro de você há algo espiritual.

Ao que, já elevado pelas rodas da festa, respondi algo como:

– Quem não engana ninguém é quem vai pra Alto Paraíso. Se elevar espiritualmente, mas na real pra achar brecha pra xavecar caras e meninas, ricos/ricas e malhados/malhadas na ioga – aí virei pra outro amigo, que havia ido pros festivais do Prem Baba pra fazer isso mesmo – Não é? ­– o outro amigo meio que concordou – Quer saber, aposto que o Prem Baba faz o mesmo.

Nisso meu grande amigo seguidor do Baba pareceu um pouco ofendido e trocamos de assunto.

Fim da história: passados uns dias, discípulas do Prem Baba, o ser que se dizia iluminado e celibatário, o acusaram de abuso sexual. No fim, parece que ele meio que fazia o festival em Alto Paraíso para abusar de um povo, em alguns (vários?) sentidos, mesmo.

Cena 2 João de Deus

Uma colega de profissão se encontrou muitas vezes com João de Deus. Muitas, mesmo. Então, numa oportunidade, questionei:

– Você acredita que esse cara tem algum poder que diz ter? Digo, pra valer.

– Claro! Várias pessoas inteligentes vão se consultar com ele. Gente que não seria enganada.

– Mas todo mundo não pode ser enganado? Eu poderia.

– O negócio é sério. Ele acredita, mesmo.

– Então… (tentei medir as palavras) por que ele não curou o próprio câncer, em vez de recorrer à medicina tradicional, em hospitais também tradicionais?

– Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Confesso, não soube como retrucar ao último argumento. Então, mudei de foco.

– Sabe, pra mim ele é só mais um guru que ilude todo mundo atrás de dinheiro, poder e sei lá mais o que (sim, queria insinuar abusos de todos os tipos).

A conversa acabou, pois mais uma vez parece que minha opinião foi ofensiva.

Fim da história: passados uns meses, agora, nesta semana, João de Deus é acusado por centenas de mulheres, incluindo a própria filha, de assédio sexual e violências de todos os tipos (inclusive contra crianças).

Cena 3 – Todos esses gurus

Corta pra uma semana atrás, em nova festa, no qual o amigo ex-fã de Prem Baba estava.

– E aí, nem falamos do Prem Baba novamente – logo eu disse.

– Pois é. Todo mundo tem um lado obscuro. Mas acho que vou me lançar como guru também. Pelo menos lucro mais – brincou ele, agora já talvez um pouco mais próximo de meu ceticismo.

– Faz assim. Vira guru, aí pego alguma reportagem de quando se exaltou o Prem Baba, troco o nome dele pelo teu, e tem matéria pronta. De capa! E ainda deixo outra na manga, com os escândalos dele ou do Osho (tipo um Prem Baba do passado que foi pros EUA, escravizou moradores de rua, envenenou pessoas, expulsou idosos de uma cidade para dominá-la – com fuzis –, e outras coisinhas legais assim; tem documentário na Netflix sobre essa história demasiadamente humana), pra depois só trocar pelo seu nome, e já temos outra grande reportagem na manga. A segunda deixo pra publicar uns dez anos depois da primeira.

Rimos. Gargalhamos.

Papo vai, papo vem, defendi minha teoria antigurus. Desconfio de qualquer figura carismática que se diga intocável, perfeita, iluminada, santo, ícone de bondade. Pode ser Osho, Prem Baba, João de Deus, Lula ou Bolsonaro. Sobre o último, aliás, a aposta da conversa foi como logo, logo, mais e mais desvios começariam a resvalar na imagem do presidente eleito (como tem ocorrido, nesta fase em que ele se parece cada vez mais com um petista qualquer dos últimos 8 anos).

Então não dá para seguir humanos? Não é bem isso.

Em vez de guru, podíamos dar maior bola a líderes. Seres admiráveis, mas falhos, e que assumem as próprias imoralidades, seus vícios, suas taras. Por isso babo não para o que fala Prem Baba, mas pra Bob Dylan, Patti Smith, Rita Lee. Assim como tenho asco de políticos como Bolsonaro e Lula. Gosto é de Bill Clinton, Margaret Thatcher, Lincoln, Gabeira e um tantinho de FHC (em especial quando ele fala com certo hálito de grama verdinha). E não só desconfio de, como temo, potências carismáticas feito João de Deus. Nesse aspecto, prefiro, sei lá, Steve Jobs. Saca?

Aliás, no dia seguinte à festa dessa última cena, começaram a sair as denúncias contra João de Deus.

****
Ah, e antes que eu esqueça, o que isso tem a ver com a ioga?

Fiz ioga um tempo. Conheço muitas pessoas queridas que amam a prática. Porém, há uma coincidência em relação a esses praticantes. Principalmente dentre os assíduos.

Antes da própria era particular de ioga, amigos e amigas se viam como os animais conturbados e viciados que todos nós humanos somos. Feitos de bondade e de maldade; de luz e trevas; de limpeza e sujeira; de amor e ódio.

Aí, quando esses começaram a se jogar com exagero na ioga (não só no exercício, mas no discurso moderninho da ioga) por muito tempo, ocorreu uma transformação. Ainda mais quando se misturou a prática e fenômenos da moda, tipo xamanismo e Prem Baba. Por motivos misteriosos, os iogues começam mais a compor frases iniciando com “eu”, só “eu” (não “ele”, “nós”, “aquele outro”, “um caso que soube”). Os vícios e as loucuras saem do discurso público no Instagram e dão lugar à perfeição, de corpo e mente. Viram eles mesmos seres iluminados candidatos a guias espirituais de instagrammers.

Espero que os amigos – muitos dos quais amo, na maioria das vezes – entendam a crítica. Mas é preciso notar como tais atitudes iluminadas não muito se diferenciam da de gurus. Sejam os de Alto Paraíso, ou os do Instagram. Talvez o único elemento de distinção seja a dimensão alcançada por cada um.

Em tempo: e nada contra a prática, em si, da ioga; faz bem, alivia a mente, deixa o corpo bacaninha. A questão é achar que isso torna alguém mais ou menos “elevado”. “Elevado”… palavra pra qual só vejo sentido quando aplicada a, sei lá… o viaduto que caiu em São Paulo.

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6 comentários em “João de Deus, Prem Baba, Osho, Bolsomito, Lula e o problema com os gurus (e com a ioga) – um desabafo

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