É manjadíssimo dizer que super-heróis entram em nossas vidas fazendo o papel dos mitos de antigamente. São os deuses modernos. Os Hércules de nossa era. Os aventureiros das odisseias de hoje em dia. O vislumbre do que sonhamos ser.
Se Homem-Aranha, Thor, Demolidor e os X-Men são mitos, o que seria o criador de todos esses? Não, não seria um deus. É mais do que isso. É um criador de deuses. Stan Lee é nosso Homero. Com sua pena, ele tornou sonhos tangíveis.
Em meu íntimo, Stan Lee me salvou diversas vezes. Assinei as revistinhas da Marvel desde uns 7 anos de idade. Hoje, acordei com uma mensagem de minha mãe, relatando como ela ficou triste com a morte do quadrinista. Lembrou de mim ao ler as notícias. Eu, desde ontem, senti um baque igualmente estranho. Não sou daqueles que se dizem tristes com a morte de famosos, por mais ídolos meus que sejam. Só que, neste caso, algo me laçou pelo estômago. Senti como se atingido por um tapa do Hulk.
A morte de Stan Lee coincidiu com um momento conturbado de minha vida. Tenho tido pesadelos dormindo e acordado. E a atual cena brasileira, ainda mais pros que adoram nossa cultura, em nada tem colaborado nas insônias.
Em minha pré-adolescência e adolescência, enfrentei pesadelos similares. Ao menos em teor.
Passei o início da juventude em meio à separação dos pais, com um pai processando o outro – e até eu fui processado no meio, com uns 16 anos. Até por isso, o cenário de grana não tava bom em casa e fazia uns bicos, de vendedor de filtro Europa a barman e ator em comerciais. Na escola, primeiro sofria com o bullying, nerd que eu era, apaixonado por HQs que eu era. Depois me transformei num freak que quase repetiu de ano por excesso de faltas – cabulava muito para ir na lan house, na sinuca, num fliperama no centro, em festas de universitários.
Era um pesadelo que levava a uma depressão que nem sabia chamar de tal. Tinha desejos tenebrosos dentro de mim. Mas para me livrar ou aprender a lidar com eles, contava com meus quadrinhos e os super-heróis de Stan Lee.
Esperava ansioso pelas revistinhas da Marvel chegarem em casa – se me lembro bem, todo dia 30. Até as piores das sagas, como aquela dos clones do Homem-Aranha, me faziam sonhar para fora de minha vida. Em muito foi por causa do fotógrafo Peter Parker (e, desculpe-me, Stan Lee, mas também por Clark Kent e Spider Jerusalem) que optei pelo jornalismo como profissão. Por Stan Lee, fui fazer curso de roteiro de HQs, de desenho, e me descobri na escrita.
Nos piores momentos, solitário na cama em um quarto em que pintava de preto até as portas dos armários e as paredes, assim que começavam a surgir pensamentos dolorosos, abria o armário onde guardava minhas HQs. Eram então por volta de mil exemplares (hoje, uns 2 500; mas doei alguns, comprei outros, e perdi a conta certeira). Minha mãe me ajudava a cuidar deles, no maior carinho possível. Ela sabia do valor que tinham.
Mergulhava nas histórias das guerras infinitas entre super-heróis e supervilões. Ria de Homem-Aranha tossindo dentro de sua máscara. Admirava como o Wolverine aguentava até ser pulverizado pelo olhar laser de Ciclope. Divertia-me até com as bobagens dos crossovers de Marvel e DC que colocavam Surfista Prateado contra Lanterna Verde.
Os mitos da adolescência me fizeram sonhar alto. Devo ainda isso a Stan Lee. Mesmo nunca o tendo visto.
E tentei vê-lo. Quando entrei no jornalismo, coloquei na cabeça que queria entrevistar alguns dos ídolos por trás das histórias que me fizeram pensar como penso. Falei com Alan Moore. Mas não com Stan Lee.
Tentei entrevistá-lo duas vezes. Na primeira, desmarcaram por “compromissos de última hora”. Na segunda, recentemente, me contaram que ele não estava apto.
Talvez não tenha me esforçado mais para ir atrás de um papo com ele por achar que teria a eternidade para isso. Em meus sonhos, Stan Lee seria eterno. Na verdade, ele já é tão infinito quanto Homero. Cabe a mim, reles mortal e seu adorador, lidar com o fato de que o empenho provavelmente não foi o suficiente (ou se deu tarde demais) para ir atrás de uma conversa com o criador dos deuses de meu tempo.
Excelsior!
Para sempre, excelsior.
“Em meus sonhos, Stan Lee seria eterno.”
Exatamente isso que pensava, ou melhor, sentia. Todos sabíamos da idade avançada do Stan Lee, que poderia ir a qualquer momento, mas mesmo assim ninguém esperava por sua morte. Todos sempre estavam esperando por sua nova participação em mais um filme Marvel.
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