O caso da Loba do Tinder

(Começarei a publicar por aqui também contos fictícios livremente inspirados em fatos reais que retratam as loucuras de nossa relação com as novas tecnologias que tomam conta do mundo. Esta é a primeira dessas histórias)

Teve início de forma inocente.

– O que você faz?

­– Empresária.

A garota digitava em seu celular modelo três gerações passadas. Eram 8 da noite e ela se preparava para o trabalho, noturno, numa das avenidas mais conhecidas da cidade. Esta famosa pelas garotas como ela, que ali circulavam em busca de rapazes dispostos a arcar pelas companhias.

– Empresária do quê?

– Da noite. Trabalho com noite. Assim, num restaurante.

Não deixava de ser verdade, pensava ela. A conversa tinha começado no Tinder naquele dia. Ainda não haviam se encontrado pessoalmente, mas o papo quente indicava que não demorariam para tal. Não por aquela conversa sobre o que um fazia, o que outro fazia. Por outras iniciadas desde o match dado mais cedo.

– Que delícia esse seu biquíni.

A abordagem tinha sido direta. Ela gostava assim.

– Se fizer direito quem sabe acaba vendo o que tem por baixo.

Havia se inscrito no aplicativo fazia pouco tempo. A sugestão veio de uma colega de avenida. “Não falta pretendente lá. Tem homem rico”. A ideia surgiu num dia que faltavam rapazes na avenida.

Porém, ela não entrou no Tinder em busca de homens como os que a abordavam no trabalho noturno. Sonhava em encontrar um moço direito e endinheirado que pudesse atualizar seu celular e, nos seus devaneios que para ela eram tão factíveis, tirá-la do quarto de cinco metros quadrados no qual morava, com uma cama de solteira, TV de plasma e ventilador de mesa (mas sem mesa), em apartamento repartido com outras três amigas – as quatro levavam 40 minutos de metrô e ônibus até a avenida; saíam pelas 9 da noite, chegavam umas 10, ficavam até 4 (6 ou mais se rendesse bem).

A vida cansava. Ao saber que existia um app cheio de ricos, logo vislumbrou por lá uma porta para uma saída definitiva. Cadastrou-se: 2.5 (25 anos, a idade que venderia como sua ao longo de 4 anos), Musa, “Mulher q namora rico, não é burra, é inteligente!”. Colocou quatro fotos.

Uma de biquíni, essa a principal, fazendo biquinho com os lábios, cabelo preso em rabo de cavalo, olhando no espelho de cima da pia do banheiro do apartamento dividido com as três amigas; outra posando de costas para a janela, de shorts, torço nu; mais uma de ladinho, cabelo alisado tampando metade do rosto e a lateral do corpo, revelando tão-somente um shortinho branco ainda menor que o do retrato anterior; outra beijando nos lábios o Lulu da Pomerânia de uma colega.

Os primeiros quatro matchs tinham sido com homens que em nada pareciam abonados. Dispensou-os. No quinto, naquele dia, os ventos mudaram.

– E o que você faz?

– Funcionário público. No TJ lá do centro.

Funcionário público era coisa certa. O tio quarentão também não era dos piores. O sorriso era lindo nas fotos, a careca era pouca, e a barriga não salientava muito na camisa. Gostava do estilo: em todos os retratos, camisa alinhada, calça jeans, em poses que mostravam seriedade no Tinder. Devia estar à procura de uma mulher igualmente séria.

Papo vai, papo vem, marcaram encontro. Num bar no centro, 1h30 de ônibus do apartamento. Ela topou perder a quinta de trabalho para chegar 8h30 da noite. Não tinha problema, boa empresária que era conseguiria repor o dinheiro perdido.

Arrumou-se em detalhes. Batom roxo de marca que usava só em ocasiões especiais, como na festa de um sobrinho ou quando um bacana lhe ligou para marcar encontro num hotel 4 estrelas. Cabelo alisado um dia antes. Rímel preto. Vestido curto, mas não tanto; o suficiente para avantajar o lombo e destacar os seios dos quais têm orgulho de mostrar sempre que acaba por mostrar. Salto-alto roxo, combinando com os lábios, coisa fina, presente de aniversário dado por uma das roommates. O espelho do banheiro repartido do apartamento não negava: estava um arraso.

Chegou à área do bar pronta para um namoro. Pessoalmente, notou que o pretendente era mais careca do que nas fotos, mas parecia mais magro, compensando o cálculo. Chegou com preza, num Corolla preto, rodas brilhantes. Vestia a camisa alinhada e jeans.

Só que ela apareceu antes para espreitar. Tática mais antiga que ela. Quando o match levantou a mão chamando o garçom, reparou, de longe, ainda do outro lado da calçada, a aliança dourada brilhando no dedo matrimonial da mão esquerda. Ele também deve ter reparado ao erguer o braço. Pois logo depois tirou o anel e o colocou dentro da carteira de couro marrom, marca daquele crocodilo verde.

Ao se aproximar do bar, ele já estava numa mesa para dois. O bar era chique, nada de botequim. Nada também de frango à passarinho ou litrão. Pediram chope e filé mignon picadinho. Classudo. Conversa vai, conversa vem, perguntou se ele era comprometido. “Não!”, jurou. Ela insistiu, deu abertura. Questionou quando tinha sido o último namoro. “Separei-me faz 6 meses”. Questionou de filhos e tudo mais.

Entenda bem, ela sempre foi contra homem casado saindo com ela. Aceitava quando era na avenida, a contragosto; mas não assim, sem valor, num bar, via match no Tinder. Achava aquilo o que tinha de pior contra as mulheres.

Não que ela não o tenho acompanhado a um motel naquela noite. Foram andando, era a três quadras, e ele parecia saber bem o caminho. Divertiram-se, ele mais, ela menos. Enquanto ele a esperava na banheira, depois de um primeiro round, ela sacou o celular e tirou fotos às escondidas.

Voltaram ao bar para pegar o Corolla. Como lhe foi prometido uma carona, ela esperou chegar no apartamento para lhe abordar com força. Precavida, mandou mensagem de zap para as amigas, pedindo para elas aguardarem na porta. Faziam isso umas pelas outras sempre que alguma tinha medo de algum rapaz.

Ao chegar em casa, desceu do carro, apresentou-o às roommates, e anunciou:

– 3 mil pra gente pra não mandar essa foto aqui pra tua esposa no Facebook, teu canalha. Te achei no Facebook enquanto você tava mijando no banheiro do motel.

Exibiu a imagem dele, barriga nua pendente, escondendo quase todo o pênis, igualmente exposto (ou ao menos os testículos, saindo como quem diz “oi” por baixo das pelancas peludas).

– Vou te matar. Não vou pagar porra nenhuma.

Uma das amigas o convenceu com uma navalha.

Nesse dia, ela encontrou sua missão. Passaria a caçar adúlteros no Tinder. Ferraria todos. Era a vingança que as mulheres precisavam, julgava em seu coração. Seria a Justiceira do Tinder.

Para um ela disse que era advogada. Conseguiu 2 mil, pagos em duas parcelas. Para outro, cantou que era famosa como musa do Instagram. Outros 5 mil. Num caso de três anos após a estreia, conduziu o amante por 6 meses; ele topou pagar 4 mil por mês para não por fim ao romance. Ela não tinha preconceito com gênero. Pegou também uma DJ, casada com uma tabeliã de uma cidade a 170 quilômetros. Durante a semana, a DJ se sentia sozinha enquanto a esposa trabalhava distante. Essa pagou 3 mil para safar a fuça.

Rodou quando errou o alvo. Demorou 4 anos e uns 100 matchs, mas a bronca veio. Ela teve solteiro por casado. Como na primeira vez, flagrou o trintão sacando a aliança do dedo. Não esperava que ele tinha o anel como recordação: era viúvo e aquele seria o primeiro date depois da perda da esposa. Errou feio. Quando anunciou a extorsão, depois do motelzinho, tomou na cara.

– Sou casado, não. E vai me devolver os nudes ou vâmo pra delegacia.

Ela cumpriu a parte dela. Deletou todas as imagens do celular. Jurou que também não tava na tal nuvem. Ela nem sabia o que era a nuvem, mas prometia a ele que lá não estava. Só que ele não correspondeu. Foi mesmo assim para a delegacia.

“A Loba do Tinder”

O diário mais popular da cidade assim a chamou. O nome pegou. Ela, em sua inocência, botava fé que a mulherada ia apoiá-la. Afinal, era uma justiceira contra os adúlteros. Nada disso. No Twitter, eram delas que partiam a maior parte das ofensas. No mais leve, a xingavam de “puta”. Isso pois elas tinham “puta” por xingamento. Sem nunca ter ouvido quem era Geni, encarnou uma.

Sentiu-se punida por Deus. “Fui sacanear viúvo. Se fosse malandro casado, nada disso acontecia. Deus sabe o que faz. Sou pecadora”. Mas não queria a prisão. Fugiu por quatro meses. De Corolla próprio, branco, comprado com grana de adúlteros.

Até ser pega ao se cadastrar no Happn. E olha que ela já tinha aprendido a lição e se esquivado da missão. Agora só queria mesmo um namorado. Se fosse casado, não toparia nem o melhor match.

Só que estava então numa cidade pequena. Quando chegou de carrão pro primeiro match, Louis Vuitton pendurada, o flerte, fazendeiro quarentão, estranhou, por julgar saber de todos os com dinheiro naquela vila. “Por trás de toda grande fortuna há um crime”, deve ter pensado o balzaquiano. No Google, jogou uma foto do Happn da moça de batom roxo. Logo teve como resposta a manchete da “Loba do Tinder”. Discou 190.

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