Entrei no Linkedin e me assustei com uma maré de posts falando de algo na linha de “superprodução”, “superdesempenho”, “supercomunicação”, ao misturar totalmente pessoal e profissional no dia a dia da quarentena, e que esse deveria ser o “novo normal” no mundo pandêmico e pós-pandêmico. Uma onda e massificação de hiperatividade que ainda tem tudo a ver com um anúncio que o Instagram insiste em me apresentar quando acesso a rede: de um app que promete “ler” 4 livros em 45 minutos; cúmulo da superficialidade e da banalidade.
É aterrorizante a ideia do que o filósofo Byung-Chul Han já bem definiu como o “imperativo do desempenho” que cria um “novo mandato da sociedade pós-moderna do trabalho”, o que leva ao esgotamento do si-mesmo, ao “consumo da alma” e à “produção de fracassados e depressivos” – as patologias usuais do século da hiperconexão. A produção em série, função das máquinas, nos mecaniza, é inimiga da contemplação, da reflexão, das artes, da celebração, do bom viver, e acaba por nos tornar computadorizados, reféns do pensamento calculista típico dos algoritmos.
Em um mundo no qual estes mesmos algoritmos exponencialmente nos substituem nessas mesmas funções calculistas – dirigir; entregar produtos; consultar leis; realizar diagnósticos etc. –, periga aqueles que se submetem ao “superdesempenho” se tornarem, no fim desse caminho de escolhas dentro da sociedade do ultradesempenho, obsoletos conforme as máquinas os substituem. Antes disso, serão eufóricos, hiperativos, neuróticos, esgotados (o burnout), depressivos, derrotados por si mesmos.
Para um “superprodutor”, inevitavelmente limitado pela própria fadiga e cansaço, a obsolescência leva ao esquecimento de si, pelos outros e ainda por si mesmo; e, substituído pelas máquinas, naturalmente se acaba no poço da depressão e do oblívio. É impossível e inviável competir com os computadores, com a inteligência artificial, em produção e rentabilidade. A carne, o osso e a mente são esgotáveis, diferentemente dos processadores e dos servidores. Acabamos por nos tornar menores, e menos humanos, ao cedermos à ansiedade da produção que “não-para”. Perdemos para os robôs.
Ingressamos ainda em outra competição impossível de ser vencida: a consigo mesmo. Quando se pensa em se dar ao máximo, sem intervalos, sem respiros, nunca se chega ao máximo. Vira-se robótico. Cada meta atingida leva a outra meta, que leva a outra, que leva a outra, infinitamente.
Não há tempo para celebração. Assim como não há intervalos para permitir que a mente contemple o mundo, nós mesmos, a família, os amigos. E desde os pensadores gregos já se sabe que é no descanso, no encantamento, na meditação e na absorção que se reflete, cria, inova.
Máquinas, que é o que querem ser os superprodutores que vendem a ansiedade e o desespero em palestras, nas firmas e no assédio moral àqueles que não são reféns do “novo normal”, não criam, não inovam, no sentido humano de tais palavras. Aristóteles já lembrava que são homens livres aqueles com direito à vida contemplativa. Ao nos autoexplorar nesse “novo normal” temos nos aprisionado.
Uma prisão cuja gravidade é ainda maior quando se contempla a ideia de misturar totalmente trabalho, família, vida pessoal, tornando a casa definitivamente uma firma. Em paralelo, inspirado no filósofo Vilém Flusser, precursor dos pensamentos sobre as imagens digitais (lives, fotos, posts de redes sociais) e os aparelhos que nos cercam, digo que viraríamos totalmente submissos às tecnologias e ao virtual, funcionários das ferramentas – quando deveria ser o contrário.
Nossas residências, antes redutos dos intervalos, dos intermeios, da celebração e da criação, se transformariam em lojas mercantis. É o cenário de pais falando com filhos enquanto olham e-mails de trabalho; filhos almoçando enquanto jogam videogame; amantes jantando ao mesmo tempo em que se anulam em seus iPads e iPhones (até o sexo pode virar mera prática mecanizada, colocada na agenda semanal em meio a compromissos de trabalho); familiares e colegas da oficina se mesclam, enquanto o olhar percorre do prato do jantar e da lição de casa do filho para mensagens de chefes e demandas de clientes.
Não se trata, aqui, de condenar o trabalho ou as tecnologias. Mas de definir ambos como nossos servos, não virarmos servos autoexploratórios da laboração e dos gadgets. É até engraçado notar que aqueles que são ícones para os superprodutores foram os primeiros a compreender tal lógica. Tenha Steve Jobs como exemplo: em sua casa não entravam as tecnologias laborais, nem iPad nem iPhone, e na residência ele se dedicava à meditação, à reflexão, aos relacionamentos, ao lado mais humano que temos (muitas de suas ideias surgiram em caminhadas contemplativas).
Portanto, não se trata aqui de negar as novidades e os avanços tecnológicos. É sobre controlá-los em nosso benefício. Deixar de dizer “sim” a tudo e qualquer coisa do “novo normal”, “sim” à submissão completa, e aprender a também falar “não”, em favor da dedicação a si. Sermos mais humanos, mais realmente livres, e menos mecanizados.