A linda história da menina que enfrentou o nazismo (com granadas)

É tempo de se inspirar em pessoas de brio. Já ouviu ou leu sobre a fantástica história da judia polonesa Sonia Orbuch? É digna de um filme dirigido por Steven Spielberg (e já sairia entre os favoritos ao Oscar, aposto). Se nunca soube da corajosa saga de Sonia, não se dê por desinformado. Eu também só a conheci nesta semana.

Por razões profissionais, tenho o costume de acompanhar obituários de sites, jornais e revistas. Melhor, vou confessar, não só por motivos profissionais. Desde a adolescência peguei o hábito. Gosto de ler sobre as aventuras de mulheres e homens que se mostram dignos de serem destacados nos obituários. Já jovem peguei o costume mórbido, informando-me sobre os mortos na Folha de S. Paulo, na Piauí e no The New York Times (e, por um tempo, fui responsável por editar a seção respectiva em Veja). Foi nesse último que, nesta semana, soube da morte de Sonia Orbuch.

O título do texto do jornal estadunidense me chamou atenção: “Sonia Orbuch, Who Fought Nazis as a Girl, Dies in California” (Sonia Orbuch, que lutou contra nazistas quando menina, morre na Califórnia). A biografia dela merece ser descrita como a trajetória de uma heroína do mundo real.

Sonia nasceu com o nome de Sarah Shainwald. Foi em 1941 que ela se viu obrigada a mudar de nome. Os nazistas estavam próximos de sua cidade-natal, Luboml, então lar de 8 mil judeus, quando ela e a família pediram para se juntar a um grupo de resistência. O problema é que este só aceitava jovens homens como membros. Seu irmão, então, se uniu aos rebeldes. Mas não ela, a mãe e o pai.

Só que os três sabiam que não podiam permanecer em Luboml, à espera da invasão nazista. Já corriam boatos, depois confirmados, de judeus que eram levados a prisões de trabalho forçado, onde eram ainda torturados, submetidos a terríveis experimentos científicos e médicos e mortos. A solução foi fugir para uma floresta próxima.

Surgiu, então, uma questão: deveriam continuar a caminhar em meio às árvores até chegar a outra cidade mais segura, ou mesmo a outro país? Enquanto se escondiam, repletos de aflições na mente, ouviram um grupo de soldados paramilitares se aproximando. Tratavam-se de russos.

O pequeno batalhão estava na Polônia para enfrentar nazistas de forma estratégica. Eles explodiam suprimentos, matavam oficiais alemães com rifles de precisão e emboscavam comboios. Os russos, porém, só aceitavam acréscimos ao contingente quando se tratavam de jovens homens. Abriram exceção pois o tio de Sarah Shainwald, que os havia encontrado na mata e fugia com eles, conhecia bem a região, serviria de guia na floresta e convenceu os soldados que só se juntaria a eles se os parentes fossem também acolhidos.

Os russos aceitaram. Com uma condição: todos deveriam mudar seus nomes e sobrenomes, para que soassem menos judaicos, como forma de precaução caso fossem capturados pelos nazistas. Foi quando Sarah virou Sonia Orbuch.

Sonia Orbuch nasceu com 16 anos de idade e um revólver na cintura. Ela não aceitava ser deixada para trás em missões. Logo, foi treinada como enfermeira. Com medicamentos capturados, ervas da floresta e o que mais tivesse em mãos, a menina que lutou contra os nazistas atendia a seus companheiros no calor das batalhas. Mais que isso: envolvia-se nas mesmas.

Um colega judeu, mais velho, que também se uniu ao acampamento de resistência se tornou seu amigo. Ele e outros colegas ajudaram a treiná-la. Rapidamente, além de enfermeira de guerra, Sonia virou vigia, observando sempre os arredores para identificar a aproximação de nazistas.

Por orientação de seus amigos de armas, um dia tomou uma precaução que a acompanharia por toda a II Guerra Mundial. Estava sempre munida de duas granadas. Uma era para jogar nos nazistas, o que faria sem hesitar. Outra, que felizmente jamais precisou utilizar, era para si. Preferia a morte a ser sequestrada e levada aos campos de concentração do Holocausto.

Quando os rebeldes começaram a sofrer muitas baixas, ela, sua família e agregados optaram por fugir da morte mais uma vez. Refugiaram-se em uma casa abandonada no meio da floresta.

O azar os pegou. A cabana estava vazia por um motivo: havia um surto de tifoide na região. A bactéria havia se alastrado pela água e quase todos foram vitimados pela doença. Sobreviveram ela e o pai.

Ao notar as condições insalubres nas quais estavam, fugiram para o meio das árvores mais uma vez. Viveram assim, sob frio intenso, até a derrota dos nazistas e a chegada dos Aliados.

Sonia Orbuch manteve seu nome de heroína. Após o término da II Guerra Mundial, mudou-se para a Califórnia, onde se casou, teve dois filhos e um neto. Nos EUA, esteve na fundação da Jewish Partisan Educational Foundation, que honra a memória de 30 000 judeus que, como ela, lutaram contra os nazistas que os tinham como uma raça inferior, donos de sangue sujo, como escória da humanidade.

A heroína morreu no último 30 de setembro. Como exemplo de resistência, personificação da enorme força feminina, ícone da gana contra aqueles que a queriam ver torturada e morta tão-somente por ter nascido como e onde nasceu. Um ímpeto de coragem assim resumido por ela mesma: “Se era para eu morrer, não seria como uma vítima. Mas como uma lutadora”.

Continue a ler: A repetição da história: Como um ditador tomou o poder com a força do ódio

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