Como conversar com quem vota no Bolsonaro?

Outro dia tive essa conversa, a proporcionado pelo título, com um inteligentíssimo amigo, gay, casado, culto. Ele havia pego um Uber com um motorista que declarou voto em Bolsonaro. Ao que, em vez de dialogar, sentiu medo até de evidenciar ser gay. “Se há dois meses alguém me chamasse de viadinho na rua, eu retrucaria e, no limite, ia fazer B.O. na delegacia. Hoje, os valentões se sentem com aval de dar tiro em gay. Eu ficaria quieto e tentaria sair da área o mais rápido. Até porque, se fosse para a delegacia, o cenário podia piorar, pois aposto que a maioria lá vota no homofóbico”. Relatou-me o amigo, entristecendo-me profundamente com a situação do Brasil (para saber mais de casos similares, vale ler esse texto do El País)

Ao continuar a conversa, de forma mais leve, começamos a conversar sobre tentativas frustradas de diálogos com bolsonaristas que encontramos ao redor. Ao que ele chegou a uma conclusão. “A única forma de convencê-los de algo, qualquer coisa, é jogando o mesmo jogo que eles gostam”. Explicou-se, em tom meio sério, meio de deboche, meio de bom humor – sim, ainda é possível dar risadas:

“No Uber, por exemplo. Se, na hipótese, um motorista for negro e ele perguntar em quem eu voto, falarei (mentindo, claro) que escolho o coiso. Aí explico a decisão: olha, confesso que concordo com ele quando fala que só quem não é bem-educado e vive num ambiente de promiscuidade se relacionaria com uma negra. Já se o motorista tiver uma esposa trabalhadora, com CLT, direi ‘Voto no Bolsonaro porque ele vai acabar com essa várzea de licença maternidade. Sou empresário e isso só atrapalha’. Já se for um desempregado que se vira no Uber, afirmarei ‘O bom do Bolsonaro é que ele vai fazer essa carteira de trabalho verde e amarela e aí poderei, como dono de um negócio, contratar gente como você sem me preocupar em ter de pagar por direitos trabalhistas que acho que são um exagero. Vai dar até para comprar uma Mercedes nova’”.

Os exemplos (e a piada) se estenderam. Acima já dá para ter um vislumbre da proposta de meu amigo.

Porém, por mais que goste do intelecto do colega, tenho de retrucar: acho que nem assim dará certo a argumentação. Por quê? Pois creio que a grande maioria dos que optam pelo coiso não fazem isso por saberem de suas propostas para educação, para a economia, de seu histórico, nem nada disso. Muito menos por antipetismo, o que é a desculpa mais usada e mais esfarrapada. A maior parcela dos eleitores bolsonaristas se vê é refletida na figura de seu ídolo do momento.

São, portanto, indivíduos que saíram do armário. Frente ao progresso do planeta, principalmente em assuntos que esses aí repudiam, como direitos humanos (a praxe, pra esses, é chamar jocosamente de “direito dos manos”), inclusão de gêneros e combate ao racismo, tinham guardado seus preconceitos e seus desejos por violência. Agora que surgiu um valentão para os representar lá no topo, viram-se respaldados, livres para abrir as portas do armário.

Daí surgem monstros que pintam símbolos nazistas em escolas, igrejas e no abdômen de mulheres; ou que matam alguém apenas por ter declarado voto em um oponente; ou que ameaçam mulheres do #elenão (#elenunca) de estupro; ou que… bem, são muitos os exemplos noticiados. Basta pesquisar.

Com esses, não adianta, por exemplo, debater os tópicos que seguirão. Todavia, se há uma boa parcela que nem dá de ouvidos e só vota no Bozo por se ver nele, ainda há alguns que talvez queiram debater, diferentemente de seu próprio candidato, que só foge das conversas sobre o país que quer governar. A qualquer um, proponho essas reflexões.

Bolsonaro quer colocar um general para cuidar da Educação do Brasil. Um que já sugere ensinar criacionismo, em vez de evolucionismo, nas escolas. Ou seja, que pretende não voltar o mundo em 40 ou 50 anos, como já propôs seu mestre, mas em quase 300 anos, para antes do Iluminismo.

Entre as propostas para a Educação ainda está a de ter ensino à distância desde a primeira infância. Um risco enorme em um país pobre, de alta evasão escolar e no qual a maioria dos jovens sai das escolas públicas nem sabendo interpretar textões de Facebook. Certamente mais uma medida que culminará numa das ambições declaradas do Bozo, a de formar seres humanos sem senso crítico.

Não para aí. Ainda em Educação, fala-se em acabar com qualquer ensino de sexualidade na escola. Sexualidade que, sem dúvida, é tema urgente na pré-adolescência. Indo além. É aula primária de qualquer colégio top de linha. Certamente as aulas (duas vezes por semana) que tive sobre o tópico não só me ajudaram a formar o intelecto e a ter empatia pelo próximo, como representaram um enorme diferencial na hora de estudar humanidades na universidade (e, depois, conseguir um bom emprego). Ou seja, em mais um ponto, os ricos, os que frequentam escolas particulares, sairão na frente dos pobres, aos quais será privado o mesmo conhecimento.

O general continua. Ele querer rever a história com “H”. Pretende educar crianças de que a ditadura militar foi “apenas” um regime, obscurecendo crimes cometidos por generais como ele e condenados por quaisquer órgãos internacionais. Não se aprenderá mais história. Será passado apenas a visão de militares não educados em qualquer curso pedagógico, em qualquer humanidade. Já se viu na história, a com “H”, no que dá esse tipo de medida.

Em resumo (e há mais exemplos que aqui não cabem), Bolsonaro quer jogar no abismo o ensino fornecido aos mais pobres.

Falemos também de Economia. O favorito à presidência sempre votou a favor de projetos estatizantes e usualmente alinhados com… o PT. Isso em décadas na Câmara, como deputado federal. Nada sabe, nunca soube, de liberalismo. Falou de privatizações e Paulo Guedes para ganhar voto. Só que já descreditou seu provável Ministro da Fazenda + Planejamento, evidenciando a veia estatizante.

Para o texto não se prolongar ainda mais (ultimamente há dificuldade, para esses alguns, de se entender até posts curtos de Facebook), passemos para Relações Internacionais. O mundo já repudia Bolsonaro. Até Marine Le Pen, da extremíssima direita francesa, pronunciou-se contra ele.

Um governo do Bozo ainda pretende sair do Acordo de Paris, o trato internacional que pretende conter as variações climáticas que assolam o mundo. Ah, mas você aí não acredita em aquecimento global (provavelmente sem nunca ter lido um livro do tema)? Não importa. A questão é que não somos uma potência como os EUA. Se o Brasil zarpar do Acordo, é imensa a probabilidade de termos de arcar com sanções econômicas, punições consequentes da atitude tresloucada.

Quer mais? Bolsonaro declara pretender entregar a Amazônia a estrangeiros e ruralistas e acabar com reservas indígenas. Todas atitudes que já são, e serão ainda mais, repudiadas internacionalmente, que ferem tratados assinados e, logo, podem acarretar em mais sanções para o país. O que certamente devastará a economia nacional.

A ONU também já se mostrou preocupada com a escalada de violência durante as eleições, indicando angústia frente a como o candidato incentiva, direta ou diretamente, tais atitudes. Isso antes mesmo dele assumir.

Imagine, então, a situação quando for presidente. Tente vislumbrar, por exemplo, como seria um debate dele sobre o assunto frente à chanceler alemã Angela Merkel, uma das pessoas mais admiradas e poderosas do planeta. Vai dar chabu.

Passemos a outro tópico: segurança pública. Até agora há parcas propostas práticas do candidato (e li seu programa de governo completo; diferentemente, e aposto todas as fichas, da maioria de seu eleitorado). Por isso, além de tal documento, é preciso se basear no que ele fala e promete publicamente. Suas principais metas:

  1. Colocar uma arma na mão de cada cidadão que ele julga como “de bem”. Nesse ponto, é óbvio o que vai ocorrer: mais tiros, mais mortes, inclusive entre cidadãos “de bem”. Afinal, se alguém acha que a solução para bandido é matar, o que esse alguém vira? Em outras palavras, se acha você acha que “bandido bom é bandido morto”, quem é você no fim? Deixarei mais didático: em uma nação na qual todos os criminosos são exterminados, o que sobra? Os assassinos, tão-somente.
  2. Outra ideia é diminuir a maioridade penal, por puro impulso estomacal, contrariando quaisquer estudos acadêmicos acerca do tema. O que é de se esperar de uma figura que defende o ensino de criacionismo na rede pública.
  3. Ambiciona dar “carta branca” para policiais matarem em conflitos. Numa nação onde somem Amarildos, de passado de mascarados eliminado jovens em São Paulo, e de Marielle Franco, é fácil deduzir onde isso vai parar.

Tentei debater, usando a lógica, os exemplos acima e outros, de áreas diversas (como acerca dos indícios das atitudes fascistas), com bolsonaristas. Como aqueles valentões da escola, eles retrucaram primeiro com gritos vazios de dominância. Usualmente em torno de palavras-chave como “Venezuela”, “Comunista”, “hippie sujo” e “petista, não dá mais o PT corrupto, queremos a nova política”.

Mesmo assim, tentemos dialogar um pouco. Em relação a “Venezuela”, vale um argumento. Os governos militares, com generais no poder, da América Latina foram justamente os que culminaram em Cuba como está e na Venezuela de hoje.

De “comunista”, bem, sou liberal, dos que leram clássicos da área e não precisa chamar um amiguinho para explicar do que se trata tal modelo. Isso bem antes de Bolsonaro começar a votar em favor da estatização de tudo (o que faz desde os idos dos anos 90). E entendo também que liberalismo tem não só a ver com Economia, mas também com a liberdade de escolhas individuais – o que vai de encontro também com a homofobia e o machismo do candidato; só para dar dois exemplos.

Do “hippie sujo”, só respondo um “deixe minha barba em paz, poxa”.

Da questão da corrupção e da nova política. Bolsonaro é exemplo máximo da velhíssima política. Está nela há muito tempo, como deputado federal desde que eu tinha 6 anos de idade. Há ainda evidência – ainda não explicadas – de que seu patrimônio cresceu absurdamente, sem explicações, em sua carreira na Câmara. E, sim, é preciso nos livrar da corrupção. Mas não o vejo como caminho para tal, de forma alguma.

De serem antipetista, a desculpa não cola. Ouço isso desde o primeiro turno. Eu, por exemplo, não votei no PT nem em Bolsonaro. Mas todos os que conheço e conheci que optam pelo Bozo fazem isso desde o primeiro turno. Isso quando havia uma penca de outras opções. Além disso, há sempre a alternativa do nulo. Ou seja, se fossem sinceros, admitiriam: são é bolsonaristas, não antipetistas.

O que fazem os eleitores de Bolsonaro quando se apresentam tais argumentos? Aí descambam para um “vai dar o rabo, sua bicha”, “esse quer é preservar o direito de dar meia-hora de cú”, “merece morrer”. Quando a discussão ocorre com amigas e colegas jornalistas mulheres, usualmente vociferam “vadia”, “essa aí merece ser estuprada”. Ou, citando uma resposta verdadeira de um bolsonarista e que reflete tantas outras que se viu por aí (perdão pelo linguajar, mas sinto-me obrigado a reproduzir ipsis litteris): “desejo que vc seja estuprada e torturada e depois esfaqueada… vc vai suportar…  vc é fodona cadela!!! supera até uns pinguinhos de sangue 5 dias no mês… caralho… tu é fodona. PQP PUTA MULHER CARA!!! ARRAZOOOOU…B17…UM ABRAÇO FUTURA ESFAQUEADA”.

É nesse último ponto em que os bolsonaristas saem do armário. No qual eles revelam o que sempre foram. Aqueles metidos a valentões da escola que adoram zoar os garotos nerds, inteligentes, cultos, que depois viram adultos bem-sucedidos. E que querem bater em gays. E que humilham mulheres para exibir como são “fodões”.

Tem rolado uma hashtag pela internet: #meubolsominionsecreto. Alguns bolsominions secretos (conheço todos os exemplos, de nome e trajetória) se encaixam perfeitamente no descrito acima.

Tem executivo rico que recebe a maior parte do salário por fora, para não pagar imposto, defende o patrão que também sonega, e depois veste camisa da seleção para protestar contra a corrupção na Avenida Paulista.
Tem ex-bombadinho (hoje, com barriga de chope) que não lê nem um livro a cada biênio, não lê jornais e se informa por WhatsApp, e que era um valentão nos tempos de colégio e acabou por virar um adulto derrotado que fala que “dá tiro em qualquer um na rua que parecer ‘mala’”.
Tem também daqueles “machões” que tiram fotos de mulheres nuas, sem consentimento, e espalha os nudes entre amigos.
Tem também outro que não vê problema em policial torturar traficante para extorquir dinheiro (ou seja, apoia milicianos).
E engenheiro que fica revoltado com a corrupção, mas trabalhou por boa parte da vida na Odebrecht, mesmo depois de revelados os escândalos com o PT, e que sabia até antes dessas mutretas. Ah, este só saiu da empresa por ter sido cortado por falta de verba.
Outro que vocifera contra subornos e afins, mas subornou professor e contratou gente por fora para conseguir passar na faculdade que fez (sem nem ter de frequentar as aulas, aliás).
Há também ex-petistas roxos que viraram bolsonaristas roxos.
E vários que adoram, agora, conseguir identificar facilmente quem dará risadas de suas piadas com judeus, “viados”, “loiras burras” e negros. Basta perguntar em quem o interlocutor vota.
A lista é grande, mas já deu para entender o teor da mesma.

Há, então, alguma forma de debater com Bolsonaro e seus bolsonaristas? Adiantaria mostrar com quem eles andam?

Que de um lado, entre os admiradores dele, tem Frota, Danilo Gentilli, Ronaldinho Gaúcho, Felipe Melo, Andressa Urach e o rosto mais conhecido da Ku Klux Klan, David Duke. Do outro, tem Madonna, Caetano, uma penca de políticos europeus, Roger Waters, Fernanda Lima, Pabllo Vittar, Marina Lima… e, claro, revistas e jornais realmente liberais, como The Economist e The New York Times. Também acho que não adiantaria. Em um post futuro, ensaiarei os motivos dessa turba preferir Frota a Caetano Veloso.

Qual argumento seria ouvido, então?
Acredito que bolsonaristas só passariam a rejeitar seu (perdoe o péssimo uso do vocábulo) herói se descobrissem (e poderia ser “mentirinha”, pois se informam via WhatsApp), por exemplo, uma foto do coiso fumando um na juventude – e isso mesmo que os eleitores já tivessem feito o mesmo, jamais votariam em alguém que ostentasse tal fama pública (volto a apostar todas as fichas nisso). Ou o que seria o argumento mais matador: caso vazasse um vídeo de Bolsonaro dançando Bohemian Rhapsody (errando a letra em inglês, claro) no chuveiro. Afinal, jamais votariam em fã de Freddie Mercury. Ainda mais se, diferentemente de como faziam com Pink Floyd, resolvessem entender as letras das músicas.

É esse último e finito argumento que motivou a montagem da imagem deste post, à qual apelidei de BolsoQueen. Quem sabe ela se espalha por aí via WhatsApp e Twitter. Como se fosse verdade.

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5 comentários em “Como conversar com quem vota no Bolsonaro?

  1. Como conversar com quem vota no Bolsonaro? Estou quase desistindo. Fico abismado quando mulheres e negros declaram voto nele, e não há argumentos que os façam refletir. Se negam a assistir vídeos (antigos, pois os atuais da campanha não valem) do seu candidato, ler textos então nem se fala. Enfim, tenho preferido não falar sobre política, infelizmente.

    Curtido por 1 pessoa

    1. É mesmo muito tenebroso o cenário que se monta, no qual há um justificável receio, quando não medo, de se falar de política. Numa sociedade democrática, ainda mais numa frágil como a na qual estamos, é essencial que falemos de política. Até a próxima

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