Por que sou #elenão, sendo cis

Outro dia me disseram algo assim: “Não tem com o que se preocupar com essa coisa do Bolsonaro, do que ele fala. É tudo da boca para fora”. O assunto eram os diversos comentários, em variadas situações, em que Jair Bolsonaro, “o coiso”, se prestou ao racismo, à misoginia, à homofobia. Engraçado que não ouvi essa frase apenas uma vez (e ela me foi dirigida com ainda maior constância após os ataques de bolsominions a um vídeo que apresentei em Veja).

Mas um ponto que não acho coincidência: só me foi dito esse algo assim por homens, brancos, héteros. Também não acho coincidência terem falado para mim, um homem, branco, hétero.

Temos muito com o que nos preocupar quando um postulante à presidência e sua turma acha que mães solteiras e divorciadas são “fábrica de elementos desajustados”, que alguma, qual for, etnia (no caso, falou em “quilombolas”) não “servem para procriar”, que mede “afrodescendentes” em arrobas, que sugere controle de natalidade de pobres, que fala de bater em duas pessoas se beijando, que manda índio “comer capim”, que sugeriu o fuzilamento de 30 mil, incluindo Fernando Henrique Cardoso, e que defendeu que o erro da ditadura foi “torturar e não matar”. Mesmo que você ache que não se encaixa dentre os grupos de ofendidos pelo coiso, tente ter o mínimo de empatia e olhar ao redor. Caso ainda prefira seu mundinho egoísta, esforce-se (não exige muito) para compreender como anseios totalitários no fim acabam por afetar a todos, incluindo aqueles que no começo os apoiavam.

Tenha meu caso como exemplo e depois tente analisar sua própria vida.

Sou filho de mãe divorciada. Para o general vice de Bolsonaro, sou automaticamente um desajustado. Muitos, acredito que a maioria, de meus amigos próximos se encaixam na mesma categoria.

Não costumo parar para contabilizar a etnia de meus amigos. Nunca fiz isso. Faço agora pelo fluxo da narrativa. Digo que tenho melhores amigos, daqueles de contar no dedo, negros e gays. Pessoas que me apoiaram em momentos difíceis, me inspiraram, levaram a vida ao meu lado, seja na curtição na Lôca ou na deprê. Dentre executivos, políticos, artistas que mais admiro, há negros e gays. Para Bolsonaro, parte desses todos talvez não sirva nem para procriar. Em outra parte, ele bateria.

Tenho medo de um postulante à presidência que vê em tortura e fuzilamento vias para o que aparenta acreditar ser uma limpeza da nação. Já ouvimos tanto isso na história, a com “H”.

Para piorar, para o meu lado, jornalistas costumam estar entre os primeiros de listas de fuzilamento, assim como artistas (youtubers seriam artistas modernos?), políticos, escritores, historiadores. Na ficção, esse cenário foi bem resumido, recentemente, pela série The Handmaid’s Tale (O Conto de Aia), quando a protagonista (spoiler leve!) se depara com uma parede de fuzilamento no fechado Boston Globe (cito em um texto anterior deste blog). Não se engane, depois desses o rol se prolonga – no extremo, bastará um post mal colocado no Facebook para ingressar no caderninho autocrático, como bem parodiou o filme A Morte de Stalin – da imagem que abre este post.

Sim, sou um cis. Um cisgênero. Um homem que se identifica como homem e heterossexual. Tô no “padrão”. Mas o que propõe o coiso (#elenão) agride demais a mim e aos que amo e admiro. Tenho com o que me preocupar, sim.

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4 comentários em “Por que sou #elenão, sendo cis

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