Quem tem medo do Lobo Mau? Pra uns, tá tudo normal. Pra outros, o oposto. E aí?

Na última semana apareceram, aos montes, dois discursos. Uma dialética, mas um tanto sem muito raciocínio lógico nas discussões, que em muito retrata o atual momento do país. De um lado, há os que manifestam horror. Pavor diante da polícia do pensamento que invade universidades; frente àqueles que acham normal matar um cachorro de uma senhora só porque ele estava no meio do caminho de uma caminhada com os seus; frente aos monstros que têm saído do armário. Do outro, umas pessoas que se chamam de “de bem” afirmam que é tudo exagero, seria tudo (usando palavra em moda) coitadismo.

Quem está certo? Talvez a história responda. Por ora, o que se pode fazer é olhar de perto quem pertence a cada lado.

Dentre os que vieram me dizer que há exagero no medo, todos, sem exceção, se encaixavam em um perfil típico. Eram héteros, brancos e, acima disso, ricos – ainda mais em um país pobre.
“É muito mimimi”. “É o povo do exagero”. “Essas minorias adoram aparecer”. “Acontece um cara morto à facada e já dizem que tem onda de fascismo”. Estão dentre os argumentos. Um deles, veja só, ouvido de uma senhora que só sai de casa de carro blindado, pro trabalho ou pro shopping, e depois volta direto para o lar, sem paradas.

No opostos, os apavorados. No meio desses, há um ou outro homem, hétero e rico, sim, é verdade. Mas a grande maioria dos que se apresentaram com medo foram mulheres, negros, gays. Mesmo quando se incluem as exceções com meu próprio perfil, há uma coincidência: é gente que “vive na rua”.
Artistas que circulam pelo centro da cidade todos os dias, em busca de espaços para incentivar a cultura. Jornalistas que saem de suas mesas todos os dias para apurar in loco – infelizmente, nem todos os jornalistas se encaixam no tipo. Negros – incluindo Joaquim Barbosa – e gays que constatam aumento de agressões preconceituosas direcionadas a eles. Pobres, de menos posses, que andam só de busão e trem, como uma faxineira que contou de como está com medo da escalada de violência contra gays e usuários de drogas na favela na qual mora. Ou professores, como uma leitora que compartilhou o cenário de monstros aparecendo na escola pública na qual trabalha – mesmo o porteiro que ela conhece há anos disse algo como “agora será a hora de dar uma coça nos gays sem vergonha desse colégio”.

Acredito que não é acaso notar que os mesmos que pertencem ao primeiro grupo, os dos sem medo, são aqueles que já diziam que não existe racismo, homofobia e miséria no Brasil. Sabe? Tipo uma senhora branca rica que prolifera que essa coisa de racismo é coitadismo, que não tem no país, enquanto come num restaurante no qual um prato custa mais de 120 reais. A mesma senhora, aliás, espantou-se ao saber que ainda fabricam carros de câmbio manual – para ela, só tinha automático, “como nos Estados Unidos, né?”.

Já do outro lado, são aqueles que não só afirmam que há, sim, esses preconceitos infectando a sociedade. Eles são o alvo do racismo, da homofobia, da miséria.

Qual grupo será que está certo? É impossível cravar com 100% de certeza. Mas tenho minha aposta.

Só espero que não descubramos a resposta depois que o Lobo Mau já tiver derrubado a nossa casa.

#fascismonão #elenão #elenunca

 

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2 comentários em “Quem tem medo do Lobo Mau? Pra uns, tá tudo normal. Pra outros, o oposto. E aí?

  1. 1) Filipe, por que as crianças negras são as últimas na fila da adoção? Trata-se de uma questão pré-Bolsonaro.

    2) Por que há 24 anos atrás eu era a única negra na faculdade de Medicina de uma universidade federal (tenho uma família estruturada e que pode me proporcionar estudo em escola particular) e não fui beneficiada por cotas?

    3) Por que as cidades estão cheias de cracolândias e hoje esses usuários só podem ser recolhidos por vontade própria (tem condição para assinar?), por assinatura da família (eles tem? onde estão?) ou por determinação judicial (temos um aparato capaz de dar conta disso?) . Enquanto os abastados “escondem” os seus em clínicas para dependentes caríssimas?

    4) Por que os índices de resolução dos casos da nossa polícia não passa de 10%? Quando o caso da jovem advogada foi solucionado apenas por circuito interno de TV do condominio? A mulher foragida do caso da jovem assassinada no litoral do Paraná foi descoberta pela mãe da vítima após um check-in no Facebook um ano após o ocorrido? O caso da filha que tramou a morte da mãe em Petrópolis (RJ) porque o padrasto pôs câmera no quarto?

    Casos que se arrastariam, quiçá seriam solucionados, se nós, sociedade civil, não estivéssemos nos resguardando.

    5) As cotas precisaram ser estendidas porque não melhoraram o ensino de base. E não foi incomum ler autovitimização e mimimi, como forma de depreciar e esvaziar o discurso alheio.

    6) Não me agrada um discurso autoritário como Bolsonaro. Mas me desagrada um discurso totalitário como PT, quando José Dirceu diz “PT vai retomar o poder”. Na democracia, o poder é do povo ou de um partido? [Recomendo a leitura da Revista IstoÉ – O Cavalo de Troia]. A entrevista do Fernando Henrique Cardoso foi fabulosa. Lúcida, coerente. Ponderada.

    A população brasileira só começa a se reconhecer negra quando percebe representatividade. Ou algum ganho. Basta analisarmos estudos epidemiológicos sem viés.

    Isso tudo é para resumir, não sou pró-Bolsonaro. Sou contra-PT, que teve toda a chance por todo o tempo para fazer a diferença é não fez.

    Essa bandeira sou homem, cis, hetero, branco, católico, ensino superior, bebo vinho de 3000 reais, blá blá blá… Defendo negro, pobre, mulher, LGBT, xyz, macumbeiro, favelado, suburbano, que passa fome, não dá… Ou não fazemos distinção ou fazemos distinção.

    Como dizia Ruth de Souza, só saberei que o preconceito acabou quando disserem morreu uma atriz e não morreu uma atriz negra.

    O jornalismo não pode ser uma opinião pessoal. Não pode ser doutrinador. O jornalismo deve se ater a relatar um fato, de forma imparcial, impessoal. A população deve ter o direito de opinião sem ser retaliada. Se não for assim, aí sim, vivemos tempos sombrios.

    P.S.: Sou sua fã.

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  2. “Quem está certo? Talvez a história responda. Por ora, o que se pode fazer é olhar de perto quem pertence a cada lado.”

    A história, não dirá nada que já não tenha sido dito, ao longo da história, ou seja, mais do mesmo, só que em outras circunstâncias e realidades.

    Os erros, repetem-se sucessivamente ao longo da referida história, porque de facto, o (ser) humano é, e sempre será repetitivo, nada mudará nunca, apenas se moldam algumas mentes…

    #estamostramados #elenunca #elenao #salvem-nos

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